Ao longe a paisagem rubra esfria em negro metal,
são os últimos raios de sol que agonizam no horizonte.
Fixando nas minhas retinas uma paisagem sanguínea escarlate
em furtivas cores e retorcidas imagens.
Entre o sono e a vigília me entrego às memórias de outros tempos.
São visões tênues dos dias de sol,
vozes indecifráveis, rostos disformes em pálidas indumentárias,
cenas que pensei ter esquecido.
É um quebra-cabeça de mil partes
ou de infinitas poses,
onde as peças giram ao léu.
Poses que na pressa do dia joguei ao chão,
simples afagos de parentes queridos,
ou o medo que em tudo havia.
O medo que o almoço de domingo se prolongasse
e colocasse em risco a matinê que começava as treze,
medo de não ver o filme do meu super-herói,
medo de encontrar ocupado o lugar ao lado dela.
Tudo é muito confuso dentro dessa profusão de coisas,
faces e sons que não entendo.
Recordações sem cronologia.
Lembro vagamente dos beijos e pêlos,
e do corpo de tantas mulheres que se entregaram,
deram-se sem pudor em ventre e útero.
Lembranças guardadas a esmo,
que importa o dia que eu disse sim,
e se dissesse não, mudaria alguma coisa.
Que importa se o nome de Fernanda
aparece em centenas de peças
e poses,
entorpecendo meus olhos.
Ela apenas se sentou ao meu lado no trem,
Sorriu, me beijou e na hora
certa ou incerta desceu e disse adeus,
adeus respondi.
Que importa se prometi ligar,
escrever.
O numero do telefone escrito num guardanapo usado,
caiu do bolso e foi ao chão,
E com ele caiu Fernanda,
agora imagem imprecisa, estática em algum lugar
daquela velha estrada escaldante,
onde um dia errei.
Tantas coisas ficaram para trás,
Fernanda e outras tantas que caíram dos bolsos,
E da lembrança.
Caíram e foram fazer companhia aos meus destroços,
aos brinquedos quebrados, roupas usadas,
ou ficaram perdidas entre folhas de livros nunca lidos,
mesmo um cartão de natal ou bilhetes com propósitos circunstanciais,
ficaram guardados em gavetas emperradas de velhas mesas.
Tantas coisas caíram,
e foram sugadas pelo cotidiano que tudo devora.
Mas outras ficaram em mim, grudadas na pele,
na pele metafísica que tecemos
a cada choro, sopro e riso.
Algumas decerto ficaram como as tatuagens
na pele engelhada de gordas senhoras,
tão gordas e sérias
que não dá para imaginar o dia que se tatuaram.
Ficaram e estão aqui,
presto que recordo,
as vejo e sinto seus cheiros.
E mesmo não sendo real, existem.
Gravitam em torno de nós,
obedecendo as leis da natureza
que homens tão inteligentes
demoraram tantos séculos para descrevê-las,
quando bastava senti-las.
Mas me recordo,
foram tantas coisas que deixei,
coisas que ficaram grudadas na saliva
que cuspi.
Cidades que vi das janelas dos trens
e logo esqueci,
lindos sapatos de pelica
que comprei e se gastaram,
gastaram-se a cada passo que dava,
depois de velhos ficaram para traz,
e comprei tantos outros sapatos, camisas, livros que presenteie e nunca foram lidos.
Principalmente vidas em sal compartilhadas,
ficaram esquecidas quando o desespero que o cotidiano
e sua insistente falta de grana, projetos harmônicos,
ou simplesmente paz, empurrava-me as ruas,
as noites, aos becos, as vaginas e aos motéis baratos.
Agora vejo o crepúsculo.
e sinto uma sensação que tudo é vazio,
e não chega a ser um arrependimento,
nem revolta, mas um olhar passivo
quase sem vida, vida que nunca aspirei.
Ou pior - vida sem volta,
Porque não há motivos para voltar
Nem para seguir em frente,
esperando um amor que nunca virá.
São tantas coisas jogadas fora,
E quando as queremos, as perdas já são definitivas.
Tanta coisa deixada nos cantos das casas que habitamos,
na lembrança das mulheres que amamos,
tantas palavras amargas, ditas para ferir e ferem.
Magoam.
Imaginar que a indiferença preencheu o espaço
deixado pelos amores acabados.
E quando tudo finalmente se monta,
diante do cansaço físico de ver esse carrossel que já passou,
aparece teu nome.
Fernanda.
Um nome que pouco pronunciei,
um rosto que nunca vi.
E mesmo assim acho que é amor
O que sinto por essa estranha.
Um amor criado nas decepções de outros amores,
fragmentado em mil partes, pacientemente remontado,
e nenhuma dessas partes te pertence ou me pertence,
mas quando montadas, em perfeita harmonia,
aparece teu rosto.
Teu rosto no fúlgido horizonte,
teus lábios escarlates e rutilantes,
sorrindo, furtivamente dizendo meu nome.
Meu nome pronunciado com dor,
Por alguém que não existe,
Meu nome...
E ainda assim esse nome que não me pertence,
ecoara no horizonte e se perdera para sempre,entre as constelações do universo.
Quem sou eu
- Engels Lomas de Medeiros
- Engenheiro eletrônico e administrador de empresa, sempre trabalhei na área industrial, vivi 12 anos em São Paulo, algumas viagens internacionais e voltei para Manaus, pai de três filhas e um filho, Selma, essa linda mulher da foto, é minha esposa, gosto de preparar uma boa comida para os amigos e ouvir um bom violão.
sexta-feira, 17 de abril de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário